Shirley Maria – Língua Portuguesa

Procedimentos argumentativos

– Razão para uso do discurso argumentativo: convencer e persuadir um público-alvo de que seus argumentos são válidos. Além disso, consideramos que a argumentação é base do discurso jurídico.

– Intenção daquele que argumenta: influenciar o auditório a propósito de um tema.

– Demonstração e argumentação: A demonstração é percebida como uma atividade do raciocínio que se reduz a um cálculo. Já a argumentação envolve a apresentação de argumentos ou razões a favor ou contra uma tese.

– Na “[…] tradição, persuadir aparece como objeto da Retórica, enquanto convencer é um atributo do discurso demonstrativo”. Ensina Perelman (1987, p. 235) que “[…] o discurso persuasivo se dirige a um auditório particular, quer se trate de um indivíduo ou de um grupo restrito, enquanto o discurso convincente visa o auditório universal.”

– “Uma argumentação eficaz é a que consegue aumentar a intensidade de adesão, de forma que se desencadeie nos ouvintes a ação pretendida (ação positiva ou abstenção) ou, pelo menos, crie neles uma disposição para a ação que se manifestará no momento oportuno.” (MENEZES, 2000, p. 86)

– A “[…] argumentação é um processo que exige ordem, devendo um argumento encadear-se ao outro naturalmente, em busca de uma unidade de sentido”. (VIANA, 2000, p. 86)

Algumas técnicas

– A técnica de argumento de ligação visa harmonizar o orador e o auditório. Esses argumentos de ligação, registra Menezes (2000, p. 90), dividem-se em 3 (três) classes, a saber:

1) argumentos quase lógicos: aqueles que, pela sua estrutura, lembram os raciocínios formais; apoiam-se na identidade e definição, analiticidade, reciprocidade, transitividade, inclusão da parte no todo, divisão do todo em suas partes, comparação, sacrifício, probabilidades, etc.;

2) argumentos baseados na estrutura do real: valem-se da sua estrutura para estabelecer uma solidariedade entre juízos pelo auditório e outro que se procuram promover; apoiam-se em:

. ligações de sucessão (como a relação de causa e efeito): argumento pragmático, argumento do desperdício, argumento da direção, argumentos de superação etc.;

. ligações de coexistência (como a relação de pessoas com seus atos): argumento de autoridade, argumento de hierarquia, argumentos concernentes às diferenças de grau e ordem, argumentos concernentes ao éthos (caráter);

3) argumentos que fundam a estrutura do real: generalizam aquilo que se aceita acerca de um caso particular (ser, acontecimento, relação) ou colocam em um outro domínio que se admite em um domínio particular.

Exemplo: busca a formulação de uma lei (ou pelo menos a possibilidade de repetição ou restrição) a partir de casos particulares; os fatos poderão ser aceitos sem discussão.

Modelo: busca a identificação com algo/alguém a seguir ou, no antimodelo, algo (alguém) a se evitar. Analogias e metáforas (como analogias condensadas): desempenham papel semelhante ao modelo.

– A técnica argumento de dissociação, também utilizada em um auditório, visa abalar ou romper a solidariedade entre as teses admitidas e aquelas contrárias às teses do orador. Ensina Menezes (2000, p. 90):

Argumentos de dissociação: baseiam-se na dissociação no âmbito das noções. Eles denunciam uma incompatibilidade entre aspectos do real, que serão qualificados de aparência ou ilusão. Em geral, permitem a elaboração de pares opostos como o protótipo aparência/realidade. Servem para exprimir uma visão do mundo: relativo/absoluto; estabelecem hierarquias: particular/geral etc.

Em linhas gerais, a argumentação tem como finalidade alinhar os fatos e as ideias, em uma progressão, a fim de persuadir o leitor. Usam-se justificativas e argumentos que possuem coerência com o tópico-frasal inicial e que colaborem para a conclusão.

Estrutura do texto argumentativo

A construção do texto argumentativo envolve a estrutura e desenvolvimento das informações, em forma de argumentos. Assim, o autor do texto, tendo conhecimento da estrutura típica da argumentação, poderá organizar e distribuir as informações, de modo que seus argumentos sejam empregados com segurança e objetividade.

Este tipo de estrutura é concebido por Garcia (2002, p. 390) como “Plano padrão da argumentação formal”, cujo modelo é o seguinte:

“A. Proposição (afirmativa, suficientemente definida e limitada; não deve conter em si mesma nenhum argumento, isto é, prova ou razão) – maior importância na argumentação

  1. Análise da proposição
  1. Formulação dos argumentos (evidência): a) fatos; b) exemplos; c) ilustrações; d) dados estatísticos; e) testemunho.

                            Pressuposto

                                   ↓

Argumento 1 + Argumento 2 + Argumento 3

(Pressuposto é a tese propriamente dita, conforme Viana (2000: 86) “[…] é o ponto de partida…, que é o modo como cada um de nós vê e problematiza o tema. O pressuposto tem de dar margem a divergências, senão fica difícil argumentar.”)

  1. Conclusão (Os argumentos encadeiam-se de forma coesa e coerente, soldados uns aos outros, e levam a uma só conclusão. E, nesta, poderá usar uma conjunção conclusiva que articulará os argumentos ao pressuposto, de modo que haja uma conclusão ajustada aos argumentos.)

Resultados da análise do texto argumentativo

Tema: “Responsabilidade criminal do menor de 18 anos”

Texto produzido por aluno do Curso de Direito

“A Menoridade Penal

O assunto apontado como tema diz respeito à capacidade do menor. Há atualmente condições do menor responder por seus atos? Há capacidade de distinguir seus atos? Quanto aqueles que sofrem as infrações por eles praticadas?

A sociedade ultimamente cobra punições mais severas para esses menores infratores, como se tais punições fossem a solução para tal problema, esquece que ela própria faz parte do problema. O menor infrator, como é considerado, é influenciado pelo meio em que vive, não é de todo culpado por seus atos, não pode ser ele penalmente punido por seus atos inconsequentes e sim reconduzido a um “bom” caminho. Há exceções que não podem ser considerados neste mesmo plano. Por exemplo: um ladrão de galinha não tem a mesma consciência criminal que um homicida.

Como vimos, há de se estudar caso a caso, pois tem que se considerar fatos sociais, pessoais e até mesmo psicológicos e intencionais, antes de se responsabilizar por completo o menor infrator.”

O aluno não conseguiu conduzir suas informações com clareza e de forma consistente. Com isso, deixou o ouvinte/leitor sem saber qual é, realmente, o posicionamento do autor diante do tema a ele apresentado.

A intenção daquele que argumenta é formar a opinião do leitor ou ouvinte, tentando convencê-lo. O que não ocorreria com o texto acima transcrito. Para que uma tese consiga a adesão de um auditório, ela necessita, de certa forma, estar em conformidade com as crenças.

Analisemos, então, pela introdução do texto em que se evidencia a problemática. No primeiro parágrafo, o autor procura abordar a tese proposta através de perguntas, sendo estas inconsistentes, ou seja, faltam informações sobre as expressões adotadas, levando o ouvinte/leitor a questionamentos. Vejamos o exemplo: “O assunto apontado como tema diz respeito à capacidade do menor […]”). O autor não havia informado ao seu interlocutor sobre o tema e não explicitou a qual capacidade ele se referia. Capacidade de pensar, agir, andar, qual?

Em seguida, o autor diz que: “[…] Há atualmente condições do menor responder por seus atos? […]”. Quais seriam estas condições? O leitor poderia, então, entender que elas seriam mentais, físicas, financeiras e outras.

Percebe-se, em outra pergunta, no mesmo parágrafo, que o autor quer mostrar-se através de perguntas conhecedor do tema: “[…] Há capacidade de distinguir seus atos? […]”. Mas, essa pergunta levará o leitor a fazer a seguinte indagação: quais atos? Poderiam ser atos de fala, de desacato à autoridade ou, ainda, de matar, de roubar.

Podemos observar que o autor procurou expandir sua proposição, inserindo mais uma pergunta: “[…] Quanto aqueles que sofrem as infrações por eles praticadas? […]”. Essa pergunta levará o leitor a fazer a seguinte indagação: a quem e quais infrações o articulista se refere? Poderá o leitor, ainda, entender que o pronome “aqueles” se refere à vítima ou sua família. Do mesmo modo, surgirá a pergunta a respeito de quais infrações, sendo que essas não foram explicadas. O leitor é levado a tentar, por hipóteses, responder a tais perguntas para conseguir, mesmo que pouco, entender o posicionamento do autor.

No segundo parágrafo, o autor também não consegue explicitar seus argumentos com clareza, pois: primeiro, espera-se que responda as perguntas formuladas, o que não acontece; segundo, mais uma vez, o autor induz o leitor à prática da “adivinhação”, tais como, a que sociedade ele se refere? Quais são as punições mais severas? A qual problema ele se refere?

Ainda no segundo parágrafo, o autor do texto procura argumentar, citando um exemplo: “[…] um ladrão de galinhas[1] não tem a mesma consciência criminal que um homicida.” Esse exemplo, usado para justificar o argumento anterior: “[…] Há exceções que não podem ser considerados neste mesmo plano […]”. Esse comentário relativiza o posicionamento assumido pelo articulista, porque pressupõe uma contra argumentação. Nota-se, então, ausência de clareza a respeito do sentido da proposição e, ainda, de alguns termos, que podem criar mal entendidos no leitor.

No terceiro parágrafo, o autor inicia a sua argumentação, utilizando o recurso linguístico “como vimos”, a fim de concluir seu texto, mas faltaram informações que sustentassem seu posicionamento. Quando o articulista usa, principalmente, no trecho “[… há de se estudar caso a caso […]”, mais uma vez, falta referente para essa expressão, pois se pressupõe que já fora mencionado e demonstrado, através de exemplos, “casos e casos”, o que não aconteceu. Compreende-se que o autor tem a intenção de informar vários casos, mas não há informação anterior para explicar o significado deles.

Percebe-se, portanto, que o texto apresentado não foi bem estruturado, pois as informações nele contidas não foram distribuídas adequadamente e, ainda, os argumentos foram fracos e mal fundamentados, o que levará, com certeza, o ouvinte/leitor a não se sentir persuadido e convencido de seus argumentos.

Considerações finais

Percebemos que o autor segue uma linha argumentativa em forma de perguntas, porém, sem respostas explícitas, não explorando os argumentos expostos por ele. O articulista utiliza uma estratégia argumentativa em que os argumentos não são distribuídos adequadamente, o que levará, então, o leitor/ouvinte a não se sentir persuadido e convencido de seus argumentos. Para persuadir e convencer alguém, é necessário que o autor do texto tenha conhecimento da estrutura típica da argumentação. Isto permitirá que ele organize e distribua as informações, de modo que seus argumentos sejam empregados com segurança e objetividade.

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REFERÊNCIAS

GARCIA, Othon Moacir. Argumentação. In: Comunicação em prosa moderna. 22 ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2002, p. 380-390.

MENEZES, William Augusto. Argumentação e discurso político eleitoral no Brasil (1994-1998): mudança, conservação, tradição e utopia. Belo Horizonte: Faculdade de Letras da UFMG (Dissertação de Mestrado em Letras – Estudos Linguísticos), 2000, 193 p.

MENEZES, Willian Augusto. Faces e usos da argumentação. In: MARI, H. et al. (Orgs.). Fundamentos e dimensões da análise do discurso. Belo Horizonte: Carol Borges, 1999, p. 179-199.

PERELMAN, C.; OLBRECHTS-TYTECA, L. Tratado da argumentação – A nova Retórica. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

PERELMAN, C.; OLBRECHTS-TYTECA, L. Argumentação. In: Enciclopédia Einaudi. Lisboa: Imprensa Nacional, 1987, p. 234-265.

RIBEIRO, Adriano da Silva et al. Argumentação e discurso jurídico. Mimeo. Betim, 27 nov. 1999, trabalho interdisciplinar apresentado ao final do 2º período do Curso de Letras da PUC Minas Betim.

VIANA, Antônio Carlos (Coord.) et al. Argumentando. In: Roteiro de redação: lendo e argumentando. São Paulo: Scipione, 2000, p. 85-93.

[1] O autor do texto, no segundo parágrafo, utiliza o argumento “ladrão de galinhas”, que funda na estrutura do real, uma vez que generaliza aquilo que é aceito a propósito de um caso particular – acontecimento. Trata-se de argumento que se utiliza do exemplo, da analogia e da metáfora.