Shirley Maria – Língua Portuguesa

VÍCIOS DE LINGUAGEM

Vícios de linguagem, conforme Cegalla (2007, p. 634), são “incorreções e defeitos no uso da língua falada ou escrita. Originam-se do descaso ou do despreparo linguístico de quem se expressa.” Alguns professores pontuam, ainda, que qualquer desvio das normas gramaticais pode ser considerado um vício de linguagem.

Dentre os vícios de linguagem, podemos destacar de acordo com Cegalla: ambiguidade, barbarismo, cacofonia ou cacófato, estrangeirismo, hiato, colisão, eco, obscuridade, pleonasmo, solecismo, preciosismo/rebuscamento, plebeísmo (2007, p. 634-636).

Vejamos a caracterização de cada um deles e alguns exemplos.

AMBIGUIDADE ou ANFIBOLOGIA: manifesta-se pela falta de clareza contida no discurso (duplo sentido).

“Jacinto, via a Célia passeando com sua irmã.” (sua: de quem?) (CEGALLA, 2007, p. 634)

O ladrão matou o policial dentro de sua casa. (na casa do ladrão ou do policial?)

O guarda conduziu a idosa para sua residência. (residência de quem? Dela ou do guarda?)

Assim, de modo a evitar tal ocorrência, o discurso teria de ser reformulado: O guarda conduziu a idosa até a casa dela.

BARBARISMO: é o desvio da norma culta (emprego de palavras erradas) no que diz respeito à pronúncia, à grafia, à semântica e à ortografia (cidadões por cidadãos; proporam por propuseram).

1) Pronúncia

a) Silabada – refere-se ao deslocamento do acento tônico de uma determinada palavra como, por exemplo:

No documento constata apenas a rúbrica (em vez de rubrica) do comprador.

b) Cacoépia – configura-se como um erro na pronúncia dos fonemas, tal como no exemplo:

Esse é um probrema (em vez de problema) que temos de resolver.

c) Cacografia – manifesta-se pelo desvio no que se refere à grafia ou flexão de uma dada palavra:

Se o delegado detesse (em vez de detivesse) todos os marginais, haveria mais segurança.

Nós advinhamos (em vez de adivinhamos) que você viria.

2) Morfologia

Se ele ir (em vez de fosse) conosco, gostaríamos bastante.

3) Semântica

Os comprimentos (em vez de cumprimentos) foram destinados ao vencedor do concurso.

Obs.: Todas as formas de estrangeirismo são consideradas, por diversos autores, barbarismo. Cegalla, por exemplo, não é um deles. (Ex.: weekend em vez de fim de semana.)

CACOFONIA ou CACÓFATO: consiste em criar um som desagradável pela união de duas ou mais palavras no enunciado da frase.

Eu vi ela no supermercado. (Correto: Eu a vi no supermercado)

Beijou na boca dela. (Correto: Beijou-a na boca)

Vou-me já.

ESTRANGEIRISMO: refere-se ao emprego de palavras pertencentes a outros idiomas quando já existe um termo equivalente na língua portuguesa. “Conforme a proveniência, o estrangeirismo se denomina: galicismo ou francesismo (do francês), anglicismo (do inglês), germanismo (do alemão), castelhanismo (do espanhol), italianismo (do italiano” (CEGALLA, 2007, p. 634).

Comemoraremos seu aniversário em um happy hour (final de tarde).

Como foi seu weekend? (fim de semana)

Obs.: Cegalla (2007, p. 635) aponta-nos que alguns galicismos e anglicismos devem ser evitados. Ele cita dentre vários exemplos: menu (por cardápio) e apartheid (por segregação racial),

HIATO: aproximação de vogais idênticas.

Traga a água.

COLISÃO: sucessão de sons consonantais idênticos ou semelhantes.

O rato roeu a roupa; viaja já; aqui caem cacos. (CEGALLA, 2007, p. 635)

ECO: “concorrência de palavras que têm a mesma terminação”. (CEGALLA, 2007, p. 635)

A flor tem odor e frescor.

Obs.: O eco na prosa é considerado um vício, um defeito. Já na poesia é o fundamento da rima.

OBSCURIDADE: “sentido obscuro ou duvidoso decorrente do emaranhado da frase, dá má colocação das palavras, da impropriedade dos termos, da pontuação defeituosa ou do estilo empolado” (pomposo). (CEGALLA, 2007, p. 635)

PLEONASMO: “redundância, presença de palavras supérfluas na frase”, usado como recurso intencional de estilo. (CEGALLA, 2007, p. 636) Em outras palavras, trata-se da repetição de um termo já expresso ou de uma ideia já sugerida, para fins de clareza. Ex.: Entrar para dentro; sair para fora. Outros exemplos comuns: panorama geral; antecipar para antes; criar novos…

 Pleonasmo vicioso

Diferentemente do pleonasmo contido nas figuras de construção ou sintaxe, há o pleonasmo vicioso cuja característica se refere à repetição desnecessária de uma ideia antes expressa:

Com o barulho estrondoso, imediatamente todos saíram para fora.

SOLECISMO: é o desvio em relação à sintaxe. Pode ser:

De concordância

– Haviam pessoas. (o certo seria “havia”)

– Fazem dois meses. (o certo seria “faz”)

No caso, o erro ocorre no emprego do verbo “fazer”, que no sentido de tempo decorrido é impessoal, fazendo com que a oração seja sem sujeito. Portanto, o verbo não deve se flexionar para o plural, o correto seria: “Fazia anos que não morriam pessoas”.

– Faltou muitos alunos. (o certo seria “faltaram”)

De regência

– Obedeça o chefe. (o certo seria “ao chefe”)

– Assisti o filme. (o certo seria “ao filme”)

De colocação

– Não espere-me. (o certo seria “Não me espere”)

– Me empresta o carro? (o certo seria “Empresta-me”)

PRECIOSISMO, REBUSCAMENTO: exagero da linguagem, afetação, linguagem artificial. Ex.: Na pretérita centúria, meu progenitor presenciou o acasalamento do astro-rei com a rainha da noite.

(ou seja: No século passado, meu avô presenciou um eclipse solar.)

PLEBEÍSMO: “uso de palavras e expressões vulgares, de termos de gíria”. (CEGALLA, 2007, p. 635) Vejamos alguns exemplos citados por Cegalla: cara (indivíduo), troço (objeto, coisa), cuca (cabeça), bacana, legal (bom), coroa (pessoa idosa), grana (dinheiro), entrar pelo cano (sair-se mal), dentre outros.

ARCAÍSMOS

Uso de expressões que caíram em desuso. Ex: Vossa Mercê (Você). Venho por meio desta solicitar (Solicito…).

GERUNDISMO: termo criado para designar a prática de utilizar o gerúndio (terminação do verbo em ‘ndo’) em demasia no discurso. Exemplos:

Um minuto, que eu vou estar verificando seu cadastro.

Vou estar transferindo sua ligação.

Desculpe, senhora, mas estamos tendo que fazer tudo manualmente.

Vamos estar encaminhando sua solicitação.

Perceba que nos exemplos de uso incorreto do gerúndio há um excesso de formas verbais, que é desnecessário:

IR + ESTAR + ENCAMINHAR (vou estar encaminhando) = ENCAMINHAREI

Observações:

1. O gerúndio é uma forma nominal do verbo constituída por um verbo auxiliar + um verbo com a terminação NDO.

2. O gerúndio expressa uma ação em curso (contínua) ou uma ação simultânea a outra, exprimindo a ideia de progressão indefinida, ou seja, não se denota o final, a conclusão da ação. A questão é que ações como transferir, aguardar, reservar etc. não necessitam da noção de continuidade que o gerúndio expressa, já que são ações rápidas e pontuais. Pode-se então desprezar esta noção, já que não é necessária, e utilizar o verbo na sua forma conjugada ou no infinitivo.

3. Como usar corretamente o gerúndio sem virar um gerundismo?

– É correto usar o gerúndio quando se quer expressar uma ideia ou ação que ocorre simultaneamente a outra, no passado ou no futuro: “Amanhã, quando você estiver fazendo a apresentação, eu estarei realizando os meus exames.”

– É correto usar o gerúndio quando se quer expressar uma ação contínua sem determinar a conclusão da mesma: “Eles foram caminhando pelas ruas sem saber para onde ir.”

– É correto usar o gerúndio quando se quer expressar uma ação em curso, em qualquer tempo verbal: “Amanhã neste horário, vou estar viajando de férias.” / “Não me ligue muito cedo, pois acho que ainda estarei dormindo.”

NEOLOGISMO: emprego de novas palavras que não foram incorporadas pelo idioma.

Ex.: Vou deletar o arquivo que recebi. (Correto: Vou apagar o arquivo que recebi). Nesse caso, o verbo deletar, neologismo criado a partir da palavra inglesa delete, está sendo usado no lugar da palavra apagar, existente na nossa língua.

Obs.: O neologismo não é considerado vício quando se cria uma palavra a fim de nomear algo para o qual não há um vocábulo na língua. Como, por exemplo, a palavra camelódromo, que é um lugar especial para reunir camelôs.

EXERCÍCIOS

Os exercícios 1 e 2 foram retirados da Novíssima gramática da língua portuguesa (CEGALLA, 2007).

1. Indique os vícios de linguagem que apresentam as frases abaixo. (Adaptado)

a. É verdade, poeta, só nos sonhos a gente agarra a fada pelos cabelos.

b. Muitos cidadões ou não votam ou votam mau.

c. Ah fatalidade! As rugas da idade se instalam em minha face sem piedade e apagam o frescor da mocidade.

d. Fábio quis conhecer o sítio de um tio de que o pai falava muito.

e. Embora doente, Tito teima em tomar café a todo instante.

f. O Rio está incluído na tournée organizada pela nova empresa de turismo.

g. Eu ia eufórico pela rua, ouvindo vozes que não me eram estranhas.

2. Relacione as frases aos vícios de linguagem que nelas ocorrem:

(a) estrangeirismo  (b) pleonasmo  (c) solecismo  (d) preciosismo

__ Desde então ele passou a nutrir uma inexplicável xenofobia aos estrangeiros.

__ Evolou-se (exalar-se) aos paramos (céu) etéreos a alma imácula da donzela.

__ Foi impecável a performance do piloto durante a dura competição.

__ Amanhã começa as aulas nas escolas e há muitas salas onde falta carteiras.

 Gabarito

1.

a) plebeísmo b) barbarismo c) eco d) solecismo e) colisão f) estrangeirismo g) preciosismo

2. pleonasmo; preciosismo; estrangeirismo; solecismo

3. Leia atentamente os textos abaixo e critique-os do ponto de vista do uso da linguagem que eles apresentam.

Pronominais

Dê-me um cigarro

Diz a gramática

Do professor e do aluno

E do mulato sabido

Mas o bom negro e o bom branco

Da Nação Brasileira

Dizem todos os dias

Deixa disso camarada

Me dá um cigarro

                    Oswald de Andrade

Inútil

A gente não sabemos

Escolher presidente

A gente não sabemos

Tomar conta da gente

A gente não sabemos

Nem escovar os dente

Tem gringo pensando

Que nóis é indigente…

[…]

                           Ultraje a rigor

Possibilidade de resposta:

Constatamos dois evidentes desvios, um no que tange à concordância verbal (letra musical) e outro no que se refere ao uso do pronome oblíquo, demarcado no início do período (poema). Diante disso, resta-nos compreender que se trata da licença poética, concedida à classe artística de uma forma geral, no sentido de embelezar, conferir um caráter enfático à mensagem, bem como revelar pensamentos e posturas ideológicas por parte do autor.

4. (FEI-SP) Identifique a alternativa em que ocorre um pleonasmo vicioso (adaptada):

a) A casa, já não há quem a limpe.

b) Para abrir a embalagem, levante a alavanca para cima.

c) Bondade excessiva, não a tenho.

d) N.D.A.

5. Diante dos enunciados que seguem, analise-os, apontando qual o vício de linguagem predominante nestes:

a – Peguei o ônibus correndo.

b – Por estar inconsciente, não entendi o que realmente quis dizer. Contudo,  possivelmente conversaremos depois.

c – Aquele ambiente é bastante aconchegante, que tal fazermos um happy-hour, ou talvez um breakfast?

d – Na geladeira há sanduiches de mortandela, coloque-os na bandeija e sirva aos convidados.

e – Durante o evento, não vi ela nem um instante.

f – Suba lá em cima e pegue as encomendas para mim.

6. Tendo em vista as peculiaridades que norteiam a linguagem escrita, comente acerca da ocorrência dos vícios de linguagem mediante a produção textual.

7. (UFOP-MG) Qual o vício de linguagem que se observa na frase: “Eu não vi ele faz muito tempo”.

a) solecismo

b) cacófato

c) arcaísmo

d) barbarismo

e) colisão

8. Partindo da premissa de que a linguagem literária se utiliza de inúmeros recursos expressivos, comente a ocorrência de alguns vícios linguísticos.

9. (URCA 2010) Sobre os vícios de linguagem, relacione a segunda coluna com a primeira:

(a) barbarismo;

(b) solecismo;

(c) cacófato;

(d) redundância;

(e) ambiguidade.

(  ) É admirável a fé de meu tio;

(  ) Não teve dó: decapitou a cabeça do condenado;

(  ) Faziam anos que não morriam pessoas;

(  ) Coitado do burro do meu irmão! Morreu.

(  ) Intervi na briga por que sou intemerato (íntegro).

A sequência correta é:

a) d – c – a – b – e;

b) b – e – d – a – c;

c) c – d – b – e – a;

d) a – b – e – c – d;

e) e – a – c – b – d;

 

Gabarito:

4. Alternativa “b”.

5. a) ambiguidade b) eco c) estrangeirismo d) barbarismo e) cacofonia ou cacófato f) pleonasmo vicioso

6. Considera-se que o vício de linguagem interfere na qualidade textual, pois a modalidade em referência requer o uso do padrão formal da linguagem. Portanto, dentre as habilidades inerentes à prática da escrita, recomenda-se evitar o uso desta ocorrência.

7. Alternativa “a” (solecismo de colocação).

8. Como a linguagem literária se perfaz do sentido conotativo, o uso de determinados recursos linguísticos tem por finalidade conferir uma ênfase maior ao discurso, sendo permitido, portanto, o uso de alguns “desvios”.

9. Resolução:

Na frase “É admirável a fé de meu tio” encontramos um “cacófato” – letra C – elemento textual que significa a união de duas sílabas ou palavras que resultam em outra palavra de sentido ridículo ou obsceno. É o mesmo que “cacofonia”. No caso, o fenômeno está presente na junção das palavras “fé de” que são lidas da mesma maneira da palavra “fede”, do verbo “feder” (cheirar mal).

Na frase “Não teve dó: decapitou a cabeça do condenado” temos uma “redundância” – letra D – que significa a repetição desnecessária de uma informação no texto, ou seja, dizer a mesma coisa duas vezes. No caso, a redundância reside na expressão “decapitou a cabeça”. É desnecessário completar o verbo decapitar, pois ele, por si só, já significa cortar a cabeça.

Na frase “Faziam anos que não morriam pessoas” encontramos um “solecismo” – letra B – ou seja, uma inadequação gramatical.

Na frase “Coitado do burro do meu irmão! Morreu.” encontramos uma “ambiguidade” – letra E – que é quando uma mesma frase tem duplo significado. Neste caso, a frase pode significar que “o coitado do burro que pertence ao meu irmão, morreu” ou que “o meu irmão que é um burro coitado morreu”.

E na frase “Intervi na briga por que sou intemerato.” encontramos um “barbarismo” – letra A, que é um erro na pronúncia, grafia ou uso de determinada palavra. No caso, a palavra “intervi” está incorreta, o correto seria “intervim”, pois vem do verbo “intervir” e não “interver”.

A alternativa que responde a questão, portanto, é a letra c.